A definição do direito das coisas perpassa pela análise da estruturação de elementos que, antes mesmo serem regulamentados em lei, afinam-se precipuamente sobre a relação entre indivíduo e sua interação com o meio em que se insere. Ou seja, a apropriação de determinadas coisas advém das necessidades inatas do ser humano, decorrendo desde as históricas e primitivas demandas de consolidação de espaço próprio para fins de moradia ante a insegurança trazida pelo nomadismo, ou alavancar as incipientes atividades econômicas perante tribos ou sociedades paralelas mediante trocas (escambo), atingindo hodiernamente notável nível de desenvolvimento que hoje se imbrica, por exemplo com as atividades de incorporações imobiliárias, fusões/cisões empresariais ou imobilização de patrimônio para fins de investimento ou fomento de atividades variadas.

Neste passo, a noção existente no direito das coisas deve partir para o conceito de “coisa”, não necessariamente em sua acepção corrente e coloquial, mas principalmente pela sua abordagem jurídica, cuja ideia básica pode expressar conceito de coisas como sendo bens suscetíveis de apropriação pelo ser humano, dotadas de expressão pecuniária, conferindo ao seu dono toda uma gama de direitos que podem ser exercidos sobre  tudo aquilo se encontra sob seu domínio, cuja proteção decorre da imposição conferida à coletividade de não turbar ou inviabilizar o dono do exercício dos referidos direitos.

Sua matriz etimológica advém do vocábulo latino res ou rei, advindo daí expressões consagradas pela linguagem jurídica como jus in re (direito sobre a coisa) e jus ad rem (direito em razão da coisa), cujas definições são premissas ao estudioso do direito compreender mais profundamente os desdobramentos do direito das coisas, especialmente as suas modalidades, formas de aquisição e extinção, e sem falar na relevância para compreender a contraposição existente entre os chamados direitos obrigacionais, facilitando a compreensão sistemática e orgânica firmada pelo Código Civil.

O direito das coisas hoje é regulamentado pelo Livro III do Código Civil, iniciando-se pela previsão de regras atinente à posse (aquisição, efeitos e extinção), direitos reais, propriedade (formas de aquisição e extinção), direito de vizinhança, direito condominial e fundo de investimento.

Por se ter em conta a presença de bens corpóreos passíveis de apreensão física, direta e imediata pelo respectivo detentor, pode-se enfatizar o direito de propriedade como expressão máxima e inefável do direito das coisas (art. 1.228 do Código Civil), já que o mesmo encerra toda uma vasta possibilidade de exercício de faculdades em prol do proprietário e a imposição legal de abstenção de terceiros de violar tal liame jurídico.

Ademais, não se pode falar em direito de propriedade como a possibilidade de o seu respectivo titular exercê-lo de maneira ilimitada, irrestrita, já que vicejam valores constitucionalmente impostos, especialmente a função social, que de acordo com o disposto no artigo 1.228, § 1º, do Código Civil, “o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.”

Os direitos reais, tomados como acepção corrente por renomados juristas para definir direito das coisas, para serem claramente exteriorizados, especialmente para o caso de imóveis, precisam estar devidamente registrados no Cartório de Imóveis, para garantir a publicidade da existência de um domínio por parte do titular do bem ou de certo desmembramento em usufruição de coisa alheia, como se dá na servidão de passagem, gerando o chamado efeito erga omnes (oponibilidade diante de terceiros, ou seja, proibição de que estes prejudiquem o titular de algum dos referidos direitos).

Embora cientificamente se questione a inclusão da posse e outros temas em setor específico do Código Civil no trato de certos temas que ontologicamente não guardam sintonia com os direitos reais, a nova abordagem legal é salutar, já a partir da evolução destas novas situações acabam sendo constituídas outras, e muitas vezes, ultrapassam a ideia de vinculação pura e simples à coisa para migrar à obrigação do titular frente a determinado indivíduo ou grupo social, eliminando gradualmente a noção de poder jurídico sobre a res.

A este respeito,  paralelamente ao jus persequendi (como se dá, por exemplo, no direito ao uso dos mecanismos de autotutela da posse ou interditos para a recuperação de bem que se encontre indevidamente sob o poder de terceiro) e ao jus praeferendi (direito de preferência, como ocorre em relação ao credor de garantia hipotecária diante do credor quirografário em relação ao mesmo devedor quando se penhora bem imóvel para liquidar dívida), outras  situações acabam por gravitar perifericamente os direitos reais, tais como obrigações de pagar taxas condominiais, rateio de despesas comuns entre os condôminos, deveres de comportamento para assegurar o sossego, limites na construção residencial,  indenização por benfeitorias, dentre outros, pelo que justifica a aglutinação da abordagem normativa no Livro III do Código Civil.

Como se pode verificar, o direito das coisas vem cada vez mais  se sofisticando em termos de previsão de regras para organizar e coordenar os diversos matizes que acabam advindo da simples apropriação de bens corpóreos pelo indivíduo, demandando do legislador uma obra incansável de aperfeiçoamento do arcabouço normativo para possibilitar o rearranjo de possíveis conflitos para um estado que possibilite a coexistência harmônica de interesses individuais e sociais antagônicos entre si, tão naturais e indissociáveis a um panorama ferrenho de escassez patrimonial e disputas ideológicas e econômicas, tão emergentes nos dias atuais.

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