Introdução

A eclosão de novos arranjos no ramo dos empreendimentos decorrente das novas necessidades emergentes da sociedade, reclamando vias de acesso a bens e serviços de maneira facilitada, desburocratizada e fluída, o que foi acentuado sobremaneira ante o advento da pandemia COVID-19, trouxe aos diversos ramos empresariais a inovação de mecanismos para possibilitar uma interface entre prestadores de produtos e serviços e seus clientes, e o empenho despendido por todos aqueles que focam suas ações na formação e aperfeiçoamento técnico na criação das chamadas fintechs e plataformas virtuais para viabilizar o e-commerce

Certamente o encurtamento das distâncias entre as pessoas operada pelos recursos de chamadas televisuais e por chats nas relações familiares, pessoais, médicas e comerciais é um novo paradigma que se cristalizará permanentemente, e isto desafia a constante busca de aprimoramento deste novo cenário em tempo exíguo, dada a exigência cada vez mais crescente na fluidez nos relacionamentos, cuja velocidade poderá, em contrapartida, trazer alguns inconvenientes quanto aos limites em que o aprimoramento das plataformas e aplicativos poderá trazer em termos de gestão de dados pessoais dos usuários, segurança nas operações financeiras, eventuais frustrações na concretização dos negócios pela entrega de produtos e serviços de maneira insatisfatória aos clientes, e outros tantos inconvenientes que só podem ser melhor aquilatados por intermédio da experiência prolongada nas operações praticadas na internet.

A premente urgência de obtenção de recursos financeiros para iniciar determinado empreendimento, aquisição de imóvel ou até mesmo aquisição de veículo, por exemplo, não escapou das vistas daqueles que visualizaram novo potencial de aperfeiçoamento e facilitação de mecanismos para dinamizar a concessão e obtenção de empréstimos de maneira mais informal e pontual, e assim, a criatividade e as ideias inovadoras, a exemplo do que sucede nos demais setores do e-commerce, não encontram limites e embaraços aos olhos de quem enxerga nas adversidades fontes inexauríveis de oportunidades para trazer à sociedade o encurtamento de instâncias e remoção de obstáculos para universalizar o acesso ao crédito.

Aspectos societários da composição das Fintechs – Dos deveres a serem observados

Quanto às fintechs engendradas para a realização de empréstimos e demais operações de crédito, foco de abordagem no presente texto, dada sua peculiar natureza por envolver tráfego de recursos financeiros, demandando análise cuidadosa dos riscos envolvidos nestas modalidades de transações, acabaram por ser regulamentadas através da Resolução n. 4.656/2018, do Banco Central, que regulamenta pormenorizadamente a forma de constituição, organização e funcionamento societário da Sociedade de Crédito Direto (SCD) e da Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP), e trata dos direitos e obrigações dos agentes que, direta ou indiretamente, interferem na cadeia das operações creditícias de forma eletrônica.

A aludida resolução esmiúça toda uma série de exigências e possibilidades para a operação da SCD e SEP no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, cabendo compreender, de modo de possibilitar a compreensão do arcabouço destas novas relações, a presença de outros dois agentes que as compõe, quais sejam, aquele que disponibilizará os recursos econômicos, e outro que deles se valerá, mediante contraprestação parcelada, embutida nela os juros pela obtenção do crédito.

No caso da SCD, segundo o disposto no artigo 3º, da Resolução n. 4.656/2018, trata-se de “instituição financeira que tem por objeto a realização de operações de empréstimo, de financiamento e de aquisição de direitos creditórios exclusivamente por meio de plataforma eletrônica, com utilização de recursos financeiros que tenham como única origem capital próprio”. Ou seja, trata-se de ente que envida seus próprios recursos para a captação de novos impulsos para concessão de crédito, podendo fazer análises e cobranças de crédito em face de terceiros, emitir moeda eletrônica e até mesmo atuar como representante de seguros no toante às referidas operações financeiras, desde que observadas as diretrizes do Conselho Nacional dos Seguros Privados (CNSP).

De acordo com o artigo 4º da indigitada resolução, a SCD ”deve selecionar potenciais clientes com base em critérios consistentes, verificáveis e transparentes, contemplando aspectos relevantes para avaliação do risco de crédito, como situação econômico-financeira, grau de endividamento, capacidade de geração de resultados ou de fluxos de caixa, pontualidade e atrasos nos pagamentos, setor de atividade econômica e limite de crédito”. Proíbe-se ainda a obtenção de recursos públicos, salvo por meio de emissão de ações e integrar capital de instituições financeiras.

No caso da SEP, esta possui as mesmas atribuições cometidas à SCD, também mediante uso exclusivo de plataforma virtual.

Tanto a SCD quanto a SEP devem possuir em suas designações as expressões “Sociedade de Crédito Direto” e “Sociedade de Empréstimo entre Pessoas”, respectivamente, sendo proibido a ambas o “uso de denominação ou nome fantasia que contenha termos característicos das demais instituições do Sistema Financeiro Nacional ou de expressões similares em vernáculo ou em idioma estrangeiro”.

Quanto à SEP, importa esclarecer que dada a amplitude de ingresso de interessados no uso da plataforma virtual para viabilizar transações de crédito, tal mecanismo pode ser utilizado por quem detenha recursos financeiros e pretenda dispor dos mesmos em favor de terceiros a título de empréstimo, observadas as condições publicadas pela fintech, que também estipula a regulamentação dos contratos, taxa de juros aplicada, cobrança de tarifas e periodização de pagamentos.

Dentre os possíveis legitimados a ingressar como credores nas negociações de disponibilização de capital na modalidade virtual, podem ser listadas as pessoas naturais, instituições financeiras, fundos de investimento em direitos creditórios cujas cotas sejam destinadas exclusivamente a investidores qualificados, conforme definição da regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários,  companhias securitizadoras que distribuam os ativos securitizados exclusivamente a investidores qualificados, conforme definição da regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários ou pessoas jurídicas não financeiras, exceto companhias securitizadoras que não se enquadrem na hipótese anterior.

Dentre os deveres que a SEP deve ter ao ajustar as transações praticadas pelos envolvidos, destacam-se a necessidade de se resguardar procedimento de que credores e devedores adiram aos termos e condições a que se submeterão e a disponibilização efetiva dos recursos, elaboração de instrumentos contratuais pela SEP junto aos credores e devedores e que assegurem a não retenção de risco de crédito, direta ou indiretamente, por parte da SEP e de empresas controladas ou coligadas, ressalvado o disposto no artigo 10, parágrafo único, da Resolução n. 4.656/2018.

Ainda quanto aos contratos a serem elaborados, é preciso que haja clareza quanto às cláusulas neles previstas, para que tanto o credor quanto o devedor compreendam os direitos e deveres quanto à operação de recursos de crédito, forma de pagamento, indicação precisa de  SEP não ofertar garantias contra os riscos do negócio ou alguma outra garantia que porventura seja estipulada de comum acordo entre os envolvidos, da exigibilidade da disponibilização de crédito pelos credores ao fluxo de pagamento e eficácia do contrato a partir do acesso ao numerário pelos devedores, bem como informações complementares para a manifestação consentida dos riscos inerentes a tais operações de empréstimo e financiamento.

Merecem ser destacados também os prazos que SEP deve observar para alocar os recursos, sendo ela tem até 5 (cinco) dias úteis para transferir aos devedores a partir da efetiva disponibilização do aporte financeiro pelos credores e em até 1 (um) dia útil a transferência do valor do pagamento de cada parcela pelos devedores, inclusive eventuais pagamentos antecipados, assim como nos casos de os devedores não consumarem o empréstimo ou financiamento celebrado.

Para se assegurar da seriedade e idoneidade das Fintechs que operem operações de crédito na plataforma virtual, é preciso observar se elas observam limites e proibições traçados na Resolução n. 4.656/2018, como não utilizar recursos próprios nas transações de empréstimo e financiamento envolvendo os usuários da plataforma (assim como adiantar pagamentos antes dos prazos estabelecidos), integrar capital de instituições financeiras, obrigar-se a dar garantias (exceto o já disposto no artigo 10, parágrafo único do referido ato normativo), ou utilizar-se dos valores disponibilizados pelos credores ou pelos devedores para atender interesses da SEP.

Ainda de acordo com o artigo 16 da Resolução n. 4.656/2018, o “credor da operação de empréstimo e de financiamento de que trata o art. 8º não pode contratar com um mesmo devedor, na mesma SEP, operações cujo valor nominal ultrapasse o limite máximo de R$15.000,00 (quinze mil reais)”, salvo aqueles que “sejam investidores qualificados, conforme definição da regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários”, podendo a SEP, em contrapartida, fixar outros limites para credores e devedores para operações de empréstimo e financiamento.

Outrossim, algumas observações devem ser adequadamente feitas para quem almeja adentrar nesta nova modalidade de acesso a operações financeiras pela plataforma virtual da SEP e até mesmo SCD, na qualidade credor ou devedor, senão vejamos.

Cautelas que você deve ter ao atuar nas operações de empréstimo no âmbito virtual

Além das questões de ordem operacional e legal que versam sobre a atuação das Fintechs no âmbito das operações de empréstimo e financiamento, o cuidado que o interessado deve ter ao acessar a plataforma virtual, seja no site ou no aplicativo, consiste em verificar a transparência das informações acerca da natureza e complexidade das negociações, os fluxos financeiros envolvidos e os respectivos riscos, devendo ser visíveis na página inicial (bem como nos contratos e nos materiais de propaganda e publicidade) e de fácil acesso, contendo esclarecimentos de maneira clara e objetiva, com ênfase e destaques acerca dos riscos envolvidos (mediante apresentação de taxas de expectativa de retorno financeiro segundo variáveis de pontualidade e solvência dos devedores e divulgação mensal das taxas de inadimplência), sem garantia do Fundo Garantidor de Créditos.

Agora quem colima figurar como credor e utilizar-se das plataformas virtuais de determinada SEP, deve ter a precaução em verificar os fluxos dos pagamentos previstos, taxa de juros praticada, encargos tributários, tarifas, seguros e demais despesas, dados estes que devem ser previamente fornecidos pela Fintech. Outra cautela a ser observada concerne ao acesso do credor a informações que versem sobre, de acordo com o artigo 22 da Resolução n. 4.656/2018, “potenciais devedores com base em critérios consistentes, verificáveis e transparentes, contemplando aspectos relevantes para avaliação do risco de crédito, como situação econômico-financeira, grau de endividamento, capacidade de geração de resultados ou de fluxos de caixa, pontualidade e atrasos nos pagamentos, setor de atividade econômica e limite de crédito”.

Conclusão

Em linha de conclusão, denota-se que há uma série de exigências às operadoras de atividades de financiamento e empréstimo na órbita virtual, pelo que é preciso ter cautela quanto à publicidade e transparência no tráfego das informações de suas atividades e riscos envolvidos, já que se trata de uma via heterodoxa de acessar recursos financeiros e que ainda pode gerar questionamentos de outras grandezas como segurança no acondicionamento de dados pessoais e risco à saúde financeira de todos os envolvidos, especialmente as SEP’s, já que a maior abertura de acesso a pessoas físicas que vislumbram boas perspectivas de investimento na realocação de valores para financiamentos ou mútuos em favor de terceiros que demandem acesso ao crédito possibilita a exacerbação de riscos ao não ter o retorno do capital investido com acréscimo de juros em decorrência de um calote do tomador do empréstimo ou financiamento, não obstante as imposições elencadas pela Resolução n. 4.656/2018 para atenuar eventuais prejuízos pelo emprego do consciencioso estudo estatístico da idoneidade financeira dos devedores.

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